Umland
Conceito nascido no contexto da geografia urbana e económica para descrever as relações entre as cidades e os territórios delas dependentes, tem tido também alguma utilização em estudos históricos, incluindo os que tratam de cidades coloniais. Na sua acepção mais corrente, umland corresponde aos arrabaldes ou arredores imediatos de um centro urbano. No vocabulário português da época moderna seria o equivalente ao termo, ou a parte dele, embora sem a conotação administrativa que este formalmente comportava. [A: Marco Oliveira Borges, 2016]
Bibliografia: Pearson 2003: 31; Van Cleef 1941.
doi: 10.15847/cehc.edittip.2016v001
Azevedo, Jerónimo de (1540-1625)
Fidalgo português nascido em 1540, foi capitão-mor da costa do Malabar durante aproximadamente 15 anos, capitão-geral do Ceilão durante 18 anos (1594-1612) e vice-rei da Índia durante 5 anos (1612-1617). Teve um papel dinâmico nas tentativas de conquista territorial do Ceilão empreendidas desde a década de 1590, quer como capitão-geral, quer como vice-rei. Respondendo a ordens régias, tentou eliminar a ameaça dos reis locais e de outros opositores; construiu fortes em todo o território; procurou recuperar territórios perdidos; e procurou conquistar novos territórios e reinos na ilha. Já como vice-rei da Índia, foi também responsável por enviar expedições à ilha de São Lourenço, actual Madagáscar, para descobrimento e reconhecimento do território e para avaliação das possibilidades de conquista da ilha (1613 e 1616). Durante o seu governo foi ainda incumbido por Filipe II de Portugal de continuar a conquista das minas de Monomotapa. O comportamento de D. Jerónimo de Azevedo não esteve isento de polémica, havendo várias suspeitas de ter empreendido a conquista de Ceilão em proveito próprio, tendo enriquecido ao arrecadar para si as rendas das terras conquistadas, e de ter exercido o cargo de vice-rei de forma igualmente duvidosa. Acresce ainda as várias acusações de que foi alvo pela violência com que tratou a população nativa no Ceilão. Quando D. João Coutinho foi enviado para a Índia para o substituir no cargo de vice-rei, levava ordens do rei para remetê-lo prisioneiro para Lisboa. Morreu em Lisboa, na prisão do castelo de São Jorge, em 1625. [A: Graça Almeida Borges, 2015]
Bibliografia: Abeyasinghe 1966; Biedermann 2005; Flores 2001; Queiroz 1916 [1687].
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v060
Carne seca
A colonização dos sertões das capitanias do norte do Estado do Brasil fez-se pelo vetor econômico da pecuária. Inicialmente, criava-se o gado nos sertões, que era vendido vivo nas feiras próximas às principais praças de comércio (Recife e Salvador). Porém, em decorrência das condições irregulares do clima, o gado muitas vezes chegava desvalorizado aos compradores. Os proprietários de currais nos sertões passaram então a tanger seu gado até pequenas povoações próximas à foz dos rios na costa leste-oeste e a fabricar carnes secas e salgadas. A partir do aprimoramento da técnica, utilizaram espaços construídos especificamente para este fim: eram as “oficinas” ou “fábricas” de carnes secas, que possuíam tamanho variável, geralmente cerca de quarenta e cinco braças (aproximadamente 100 metros) de frente. Em meados do século XVIII já havia um “negócio das carnes secas” naqueles sertões. Formaram-se verdadeiras empresas em torno do produto, que incluíam: a criação de gado em currais nas ribeiras do sertão; o transporte do gado vivo até as oficinas; a fabricação das mantas e postas de carne seca e salgada; o abastecimento de sal para o fabrico; o aluguel (ou mesmo propriedade) de embarcações para o transporte das carnes secas até as importantes praças de comércio. Alguns negociantes possuíam controle sobre todo o processo descrito. Outros, sobre parte dele. Durante todo o século XVIII, período de diversas crises de abastecimento, as carnes secas fabricadas nos sertões das capitanias do norte foram negociadas no Recife e em Salvador, chegando à região das minas pelo caminho velho do São Francisco. [A: Leonardo Cândido Rolim, 2015]
Bibliografia: Andrade 1980; Carrara 2007; Linhares 1979; Rolim 2012.
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v059
Capela
Conjunto de bens vinculados, cujo rendimento se destinava a sustentar o cumprimento de encargos pios perpétuos. A capela distinguia-se do morgadio pelo fim a que se destinava, podendo ser instituída por qualquer indivíduo, independentemente da sua origem social. Os bens de uma capela eram indivisíveis, inalienáveis e a sua transmissão seguia os termos definidos pelo instituidor. Podiam compor-se de bens imóveis, móveis e semoventes, embora predominassem os primeiros. Estes bens eram designados pelos instituidores até ao limite do valor da sua terça ou, na ausência de descendentes, podiam abranger a totalidade dos bens, pelo que o valor patrimonial e o rendimento das capelas eram muito variáveis. Cabia ainda ao instituidor designar a pessoa singular ou a instituição (laica ou eclesiástica) que, depois da sua morte, administraria a capela. A administração de capelas era uma importante forma de acesso a rendimentos fundiários. As capelas conheceram grande difusão em Portugal desde os finais da Idade Média e foram utilizadas por todos os grupos sociais ao longo do período moderno, embora se desconheça a massa fundiária total que estava vinculada em capelas. A difusão desta modalidade de vínculo pelo império é mal conhecida, mas as fontes registam um elevado número de capelas, tanto no Estado da Índia como no Brasil. No contexto da legislação pombalina, a lei de 9 de Setembro de 1769 abriu caminho à erosão do instituto. Capelas de rendimento inferior a 100.000 réis foram extintas, proibiu-se a vinculação de bens de raiz para sustentar encargos pios, e definiu-se um tecto máximo (um décimo) para o dispêndio com encargos pios. Tal como os morgadios, as capelas foram extintas pela lei de 19 de Maio de 1863. [A: João Paulo Salvado, 2015]
Bibliografia: Lopes 2010; Rocha 1848; Sá 1997; Sousa 1825-1827: I, «capellas».
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v058
Legado pio
Bem ou quantia em dinheiro outorgado por disposição testamentária a instituições ou indivíduos, que não os herdeiros, em expressão da devoção ou piedade do testador e tendo como finalidade a salvação da sua alma. Nos períodos medieval e moderno os legados pios concretizavam-se em missas e sufrágios a rezar pela alma do defunto, dotes a órfãs (laicos e eclesiásticos), instituição de mercearias, concessão de esmolas a particulares e instituições, e donativos para o resgate de cativos, entre outras modalidades. Tal como nas capelas, os bens consignados ao cumprimento de legados pios não podiam ultrapassar o valor da terça do testador, caso tivesse herdeiros. Os legados pios distinguiam-se, todavia, das capelas, pelo seu carácter temporário. A lei de 9 de Setembro de 1769 fixou o valor máximo a despender em legados pios em 400.000 réis, mas esta disposição seria revogada pelo decreto de 17 de Julho de 1778. [A: João Paulo Salvado, 2015].
Bibliografia: Lopes 2010; Rocha 1848; Sá 1997.
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v057
Dissava
Designação da principal das unidades da divisão territorial e administrativa dos reinos cingaleses do Ceilão. Era o equivalente a uma província. Dividia-se, por sua vez, em korales ou corlas, e estas em aldeias. No reino de Kotte existiam quatro dissavas: Matara, Sabaragamuwa, Quatro Korales e Sete Korales. Os seus governadores – igualmente denominados dissavas – exerciam funções de natureza política, militar, judicial e fiscal. Eram recrutados entre a principal nobreza local, pertencendo, não raro, à própria família real, e eram remunerados, numa base de serviço, com parte dos rendimentos da província e com a atribuição de aldeias. Durante o seu domínio no Ceilão (1597-1658), os portugueses conservaram estas estruturas de organização territorial, e, salvo algumas excepções, nomearam membros das elites nativas para o seu governo. Procuravam, assim, assegurar não só o normal funcionamento das instituições e da máquina administrativa, como fidelizar essas elites. Os dissavas desempenharam um papel importante, por exemplo, no processo de elaboração dos tombos ou na redistribuição dos títulos de posse das aldeias, assim reforçando, aliás, o seu poder político e social num contexto de dominação estrangeira. [A: José Vicente Serrão, 2015]
Bibliografia: Flores 2001; Pieris 1913-1914; Ranasinghe 2014.
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v056
Casados
O termo “casados” remonta ao rescaldo da conquista de Goa (1510), quando Afonso de Albuquerque promoveu a fixação de portugueses nos domínios do antigo sultão mediante a concessão de terras e bens e o casamento com mulheres da terra. Era intenção do governador criar uma espécie de reserva militar que, simultaneamente, garantisse a estabilidade social do território. Embora esta “política de casamentos” não tenha sido, enquanto tal, levada a cabo em mais nenhuma parcela do embrionário Estado da Índia, em todas elas surgiram, ao longo do século XVI e de forma mais ou menos espontânea, núcleos de portugueses que aí casavam e se estabeleciam duradouramente. A categoria de “casados” designava, portanto, as elites locais formadas por portugueses e descendentes de portugueses radicados no Estado da Índia, geralmente agregadas em torno das câmaras municipais e das misericórdias. Frequentemente, disputavam negócios e primazia social e política com a nobreza vinda do reino para ocupar temporariamente postos da administração civil e militar. O papel que desempenhavam na defesa militar, e as ligações que possuíam às redes mercantis e potências asiáticas, concediam grande prestígio e influência a estes “casados”, com quem as autoridades do Estado tinham frequentemente que contemporizar. Trata-se, contudo, de um conceito fluido e impreciso, que abrangia situações muito distintas no espaço e no tempo. A partir da segunda metade do século XVI verificou-se um incremento da matriz territorial do Estado da Índia, pelo que a ligação dos casados à terra e à exploração dos rendimentos fundiários acentuou-se naturalmente. Tal ocorreu em diversas paragens, mas conheceu maior expressão em Ceilão, em Goa e na chamada Província do Norte. [A: Paulo Pinto, 2015]
Bibliografia: Bouchon 1999; Subrahmanyam 1995; Teixeira 2010; Thomaz 1994.
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v055
Chouto
O chouto era uma espécie de tributo, pensão ou direito fundiário que alguns territórios ocupados pelos portugueses na Província do Norte desde o século XVI, especialmente Damão e Baçaim, estavam obrigados a pagar anualmente ao Rajá de Ramnagar, entidade politica vizinha. Este tributo era cobrado a título de protecção daqueles territórios, ou garantia da sua não invasão, pelas forças do governante hindu, constituindo, portanto, uma espécie de extorsão institucionalizada. Tratava-se possivelmente de um costume antigo, embora a sua origem não esteja determinada com exactidão. Mais tarde, também o imperador Shivaji, no quadro da expansão do império marata, viria a generalizar a sua aplicação aos territórios conquistados ou adjacentes, razão pela qual também há referências à cobrança do chouto em algumas aldeias das Novas Conquistas de Goa. Na prática, a cobrança do chouto recaía sobre a população local, incluindo os foreiros portugueses, e correspondia, em princípio, a um quarto do rendimento agrícola e fundiário das suas terras e aldeias. Aliás, chouto é um aportuguesamento da palavra chauth, em marata, ou chaturtha, em sânscrito, que significam literalmente “um quarto”. A natureza exacta do chouto no contexto do Estado da Índia foi sempre interpretada de modo controverso pelos portugueses, sobretudo porque envolvia um problema politico – a definição, e a extensão, dos direitos de soberania da coroa portuguesa em algumas das suas possessões na Índia. Por essa razão, a política portuguesa sempre foi, por um lado, a de não reconhecer a natureza política e tributária do imposto, e, por outro, a de negociar com os potentados vizinhos a sua anulação ou, pelo menos, a sua redução. Desde 1635 passou a representar um oitavo da produção, ainda assim um pesado encargo. [A: José Vicente Serrão, 2015]
Bibliografia: Matos 2001; Mehta 2005; Miranda 2007; Pissurlencar 1983.
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v054
Fazenda
Na América portuguesa a palavra adquiriu o sentido de grande propriedade agrária. Moraes Silva, na primeira edição de seu dicionário, especificava que, no Brasil, fazenda significava “terras de lavoura ou de gado” ou até uma “fazenda de canas”. O mesmo ocorreu nos domínios espanhóis da América, onde hacienda tornou-se sinônimo de grande unidade agrária. Em português e espanhol, o termo englobava, simultaneamente, as noções de riqueza em geral e de extensas terras de cultivo ou pecuária. Uma fazenda podia ter em sua origem a concessão de uma sesmaria, a mera posse, ou, mais raramente, um arrendamento. Mas, como unidade produtiva, raramente ocupava a totalidade da extensão de uma sesmaria. As fazendas dedicadas aos cultivos de exportação podiam ser monocultoras ou não, dependendo das diferentes conjunturas econômicas. Enquanto essa era a tendência nas fazendas de cana e engenhos da Bahia e Campos, Rio de Janeiro, as de fumo (tabaco) produzíam também importantes excedentes de farinha de mandioca. Em Minas Gerais, no século XVIII, no termo de Mariana, as fazendas de engenho conjugavam a produção de alimentos (feijão, milho, mandioca) com a de aguardente e farinhas, além de possuírem matas, capoeiras e atividade mineradora. As grandes fazendas monocultoras fomentaram a produção de alimentos e a constituição de um mercado interno específico. Estivessem dedicadas à produção para exportação ou para o mercado interno, a mão de obra essencial sempre era a escrava. Nas áreas mais bem localizadas, férteis e próximas de rios e portos, o valor da terra chegava a 30% do total do empreendimento. Por seu turno, os fazendeiros, seus proprietários, constituíam o topo da pirâmide social e econômica rural do Brasil durante os séculos XVIII e XIX. [A: Helen Osório, 2015]
Bibliografia: Barickman 2003; Fragoso 1992; Osório 2007; Schwartz 2008.
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v053
Rio Jaguaribe
O Jaguaribe, rio mais importante da capitania do Ceará, foi um dos principais vetores do processo de conquista por meio da guerra contra indígenas, doação de sesmarias e caminhos do gado. Foi descrito em 1587 no Tratado Descritivo do Brasil como um rio que possuía uma enseada segura, onde navios que navegavam até o Maranhão poderiam ancorar. Na ribeira do rio Jaguaribe foram doadas as primeiras sesmarias do Ceará, tendo aí também ocorrido múltiplos conflitos pela posse da terra entre gentios, paulistas e agentes da governança local, como o massacre do Jaguaribe, efetuado pelas tropas de Manuel Álvares de Morais Navarro, e os conflitos desencadeados pelos trabalhos de medição e demarcação das sesmarias dirigidos pelo desembargador Cristóvão Soares Reimão. Nessa ribeira viria a desenvolver-se, durante o século XVIII, a produção de carne seca, principal atividade econômica da capitania, escoada pelo porto do Aracati. [A: Rafael Ricarte da Silva, 2015]
Bibliografia: Nogueira 2010; Souza 1851.
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v052