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Cartografia portuguesa antiga
Os mapas são um importante instrumento de construção do território. No modo como representam o território revelam a natureza, e o grau, do seu conhecimento, mas sugerem igualmente uma declaração de poder sobre esse território, seja esse poder efectivo ou simplesmente reivindicado. Estes princípios assumiam ainda maior significado no contexto da exploração de novos territórios e da formação de impérios. Neste sentido, os mapas tiveram uma grande importância no quadro da expansão portuguesa, quer para registar os novos descobrimentos, quer para reivindicar a posse ou a ocupação de territórios, quer para manipular a informação acerca dos progressos daquela expansão ultramarina. Com efeito, a própria informação contida nos mapas era uma fonte de poder, sendo muitas vezes deliberadamente omitida, acrescentada ou distorcida.
A cartografia portuguesa tem uma longa tradição. Na sua fase inicial – aquela a que se refere este verbete – consistia principalmente em cartas náuticas, muitas das quais terão desaparecido com o tempo. Uma das mais antigas que se conhecem é a denominada “carta de Modena”, anónima, datável de c. 1471 (Modena, Biblioteca Estense, C.G.A.5c), a qual já indica alguma actividade comercial no local da futura fortaleza de São Jorge da Mina, onde surge uma bandeira portuguesa e a frase “a mina do ouro”. Também o mapa de Cantino de 1502 (Modena, Biblioteca Estense, C.G.A.2) – assim chamado porque foi Alberto Cantino quem o extraiu clandestinamente de Portugal e o vendeu ao Duque de Ferrara – inclui uma longa descrição daquela fortaleza, assim como uma série de padrões e de bandeiras portuguesas que assinalavam reivindicações territoriais e a presença dos seus exploradores ao longo das costas ocidental e oriental de África. Esse mapa incluía textos que identificavam os soberanos locais e as actividades de comércio dos portugueses. Na Ásia, só se vêem bandeiras portuguesas em Cambaia e em Calecute; os textos que as acompanham não fazem nenhuma afirmação de controlo político, devendo ser interpretadas apenas como indicação da presença de comerciantes portugueses. Na América do Sul, só se vêem bandeiras portuguesas no Cabo de São Jorge e junto a Porto Seguro, sendo esta última acompanhada de um longo texto que explica que a terra foi descoberta por Cabral enquanto navegava sob as ordens do rei de Portugal. Deve notar-se que, devido ao desaparecimento de muitos dos mapas portugueses, alguns importantes registos cartográficos do processo de exploração e conquista desenvolvido por Portugal só se encontram preservados em mapas feitos noutros países. Quando esses mapas representam as realizações portuguesas de forma diferente daquela que está nos mapas dos próprios, não sabemos se isso não resulta apenas de um processo de revisão feito pelos cartógrafos estrangeiros. Por exemplo, a carta de Nicolo de Caverio, de 1504 (BnF, Cartes et Plans, S. H., Arch. 1) mostra padrões com o brasão de Portugal nas costas ocidental e oriental de África, mas nem um único na Ásia. O certo é que, entre o final do século XV e o início do século XVII, Lisboa foi um importante centro de produção de mapas que mostravam os novos territórios “descobertos” pelos europeus. Os seus cartógrafos e as suas oficinas de produção de cartas náuticas e planisférios, nomeadamente as das famílias Reinel, Homem e Teixeira, tinham uma ampla reputação, procura e influência na Europa. É conhecida, por exemplo, a influência que tiveram na chamada “Escola de Cartografia de Dieppe”, que floresceu na Normandia entre as décadas de 1540 e 1560. [A: Chet Van Duzer, 2015]
Bibliografia: Alegria et al 2012; Cortesão 1969-70; Cortesão e Mota 1960; Feijão 1995; Harley 1988; Van Duzer 2015.
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v011