da Terra e do Território no Império Português

Início » Gancaria

Category Archives: Gancaria

Gancaria

As gancarias – também chamadas “comunidades” – das aldeias de Goa eram corpos colectivos de gestão agrária, política e ritual cujas atribuições estavam delimitadas pelas fronteiras da respectiva aldeia (gāun). Anteriormente ao domínio português, elas formavam, à semelhança de instituições análogas no sul do subcontinente indiano, a mais básica unidade administrativa do aparelho estatal, assegurando através de um número restrito de linhagens localmente dominantes (gancares ou gāunkārs) diversas funções de ordem fiscal, agrária, militar e judicial: forneciam apoio militar e mão-de-obra gratuita ao soberano, garantiam a colecta tributária e a administração judicial da respectiva aldeia, asseguravam a exploração de áreas incultas e impunham-se como representantes da autoridade régia a nível local. Em contrapartida destas e de outras funções, os regimes nativos dotavam as gancarias de múltiplos privilégios políticos e rituais, dos quais se destacava o controlo sobre vastas porções de terreno agrícola, constituindo as “comunidades” como principais terratenentes da região. Invocando o direito de conquista, a coroa portuguesa apropriou-se destes terrenos e cedeu-os novamente aos gancares a título de enfiteuse perpétua (no século XVI, no caso das Velhas Conquistas, e no século XVIII em grande parte das Novas Conquistas). Tendo extinguido as diversas camadas de autoridade que se colocavam entre a aldeia e o soberano, o poder colonial incorporou contratualmente as gancarias nas suas estruturas políticas para assim assegurar a fidelidade destas pequenas elites locais e, simultaneamente, colmatar as insuficiências administrativas do estado. Embora algumas das funções das gancarias tenham sido posteriormente abolidas ou confiadas a outros agentes locais, o aparelho colonial reconhecia nestas instituições instrumentos de controlo e penetração política de que não podia, sob risco de extinção, abdicar, razão pela qual não só resistiu às várias campanhas de pressão que advogavam a sua dissolução como perpetuou muitos dos seus privilégios até ao século XX. [A: Manuel João Magalhães, 2015]

Bibliografia: Azevedo 1890; Magalhães 2013; Pereira 1981; Rubinoff 1997; Subrahmanyam 1997; Xavier 1903.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v019

%d bloggers gostam disto: