da Terra e do Território no Império Português

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Pau-brasil

Árvore de grande porte (Caesalpinia echinata L) simbolicamente associada à colonização portuguesa do Brasil. O próprio território recebeu o nome desta árvore, a qual constituíu, durante muito tempo, o principal recurso económico explorado na América portuguesa. Os autóctones a chamavam “Ibirapitanga” (árvore vermelha ou pau cor de brasa), e a utilizavam para construir arcos e flechas. Os portugueses a designavam como “pau-de-tinta”, “pau da costa do Brasil”, “pau-de-pernambuco”, e distinguiam as espécies encontradas em Pernambuco, Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O alto valor comercial da madeira devia-se à extração de um corante de tonalidade vermelho-escuro análogo ao que os europeus já importavam da Ásia desde a Idade Média, extraído da espécie Caesalpinia sappam L. Eram conhecidas três espécies da Ibirapitanga: o “Brazil-mirim”, de tronco grosso, tinta vermelha, resistente à água, era utilizado na construção naval e tinturaria; o “Brazil-assú”, de tronco alto e fino, tinta rosada, e o “Brazilêto”, ambos de qualidade inferior, utilizados para tingir tecidos de lã, seda, iluminuras, mobiliário. A exploração do pau-brasil era monopólio régio, geralmente arrendado a particulares. A primeira concessão, em 1502, coube a Fernão de Noronha e associados. O arrendamento foi de 25.000 quintais (1.470 toneladas), incluindo ainda cláusulas como enviar anualmente seis navios, explorar 300 léguas de litoral e manter uma feitoria fortificada. Ao longo do tempo, o pau-brasil seria explorado diretamente pela coroa (1525, 1612-1625), concessionado à Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649-1657), e até à Companhia de Jesus na capitania do Espírito Santo (1625). Porém, prevaleceu a concessão a negociantes e sociedades mercantis, através de contratos de arrendamento. A quantia arrematada convertia-se em encaixe imediato para a fazenda régia. Geralmente, exigia-se também caução em mercadorias contra fraudes, o direito das obras pias, a vintena aos donatários, e outras obrigações, como a de enviar para Lisboa 10.000 quintais (588 toneladas) anuais; previam-se ainda situações de distrato, confisco, embargo e execução pelo tribunal. A mercadoria quase não tinha variações sazonais: entre os séculos XVI e XVII, o preço médio do contrato foi de 24.000.000 réis por ano; o custo de produção era de 1.000 réis o quintal, incluindo o transporte; vendia-se em Lisboa a 4.000 réis o quintal, de onde era enviado para os principais portos de redistribuição (Livorno e Amsterdão), e demais praças mercantis na Europa. Estimou-se a extração de 12.000 toneladas anuais, e a derrubada de dois milhões de árvores somente no século XVI. A escassez motivou a promulgação do Regimento do pau-brasil (12/12/1605), que estabeleceu regras para o seu corte e comércio, e medidas rigorosas como confisco de bens, degredo e pena de morte para os infratores. Em 1808, com a corte portuguesa no Brasil, novas medidas económicas foram implementadas: o Banco do Brasil passou a ter comissão sobre a arrematação dos contratos de pau-brasil que deveriam ser feitos em hasta pública; incentivou-se o corte nas províncias de Pernambuco, Rio de Janeiro e Espírito Santo; no ano seguinte, prometeu-se liberdade para os escravos que denunciassem o contrabando; entre 1810 e 1818, passou-se a exportá-lo diretamente para Londres, pagando-se a 1.600 réis o quintal. Ao longo de Oitocentos, o pau-brasil entraria em processo de extinção e em progressiva desvalorização económica devido à comercialização da anilina sintética. [A: Maria Sarita Mota, 2015].

Bibliografia: Aguiar e Pinho 2007; Coelho, 1970; Dean, 1996, 62-65; Mauro, 1989, 163-200; Muralt 2006; Simonsen, 2005:71-84; Sousa 1978.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v021

Urzela

Nome atribuído ao líquen Rocella tinctoria, Ach, nativo das áreas costeiras das ilhas da Macaronésia, no Atlântico Norte. Tintureira produtora de uma coloração púrpura, a urzela era muito procurada pelas manufacturas têxteis europeias da época moderna, especialmente pelas flamengas, como corante de panos de seda e algodão. Por essa razão, a urzela viria a desempenhar um papel relativamente importante na economia do império português do Atlântico, constituindo monopólio da coroa. Nos Açores, apesar da maior importância que tinha o pastel, afirmou-se como um dos mais significativos produtos de exportação, principalmente com destino a Inglaterra. A urzela foi igualmente relevante na economia cabo-verdiana, desde o início do povoamento até ao século XIX, especialmente nas ilhas do Barlavento. Em Cabo Verde, inicialmente, a sua exploração foi arrendada pelo donatário do arquipélago, infante D. Fernando, aos irmãos João e Pêro de Lugo, castelhanos e mercadores em Sevilha. A urzela foi igualmente explorada em algumas zonas costeiras do Brasil e de África. Aqui, especialmente em Angola, o comércio da urzela contribuiu no século XIX para a dinamização da economia da cidade de Luanda e das praças de Benguela, Novo Redondo e Ambriz. Integrando os carregamentos das caravanas vindas do interior, a par de escravos, marfim e cera, a urzela era um importante produto de exportação, mantendo uma ligação directa e indirecta com o tráfico de escravos. [A: Maria da Graça Delfim, 2015]

Bibliografia: Carreira 1973; Costa 2011; Santos 2002; Wissembach 2011.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v020

Gancaria

As gancarias – também chamadas “comunidades” – das aldeias de Goa eram corpos colectivos de gestão agrária, política e ritual cujas atribuições estavam delimitadas pelas fronteiras da respectiva aldeia (gāun). Anteriormente ao domínio português, elas formavam, à semelhança de instituições análogas no sul do subcontinente indiano, a mais básica unidade administrativa do aparelho estatal, assegurando através de um número restrito de linhagens localmente dominantes (gancares ou gāunkārs) diversas funções de ordem fiscal, agrária, militar e judicial: forneciam apoio militar e mão-de-obra gratuita ao soberano, garantiam a colecta tributária e a administração judicial da respectiva aldeia, asseguravam a exploração de áreas incultas e impunham-se como representantes da autoridade régia a nível local. Em contrapartida destas e de outras funções, os regimes nativos dotavam as gancarias de múltiplos privilégios políticos e rituais, dos quais se destacava o controlo sobre vastas porções de terreno agrícola, constituindo as “comunidades” como principais terratenentes da região. Invocando o direito de conquista, a coroa portuguesa apropriou-se destes terrenos e cedeu-os novamente aos gancares a título de enfiteuse perpétua (no século XVI, no caso das Velhas Conquistas, e no século XVIII em grande parte das Novas Conquistas). Tendo extinguido as diversas camadas de autoridade que se colocavam entre a aldeia e o soberano, o poder colonial incorporou contratualmente as gancarias nas suas estruturas políticas para assim assegurar a fidelidade destas pequenas elites locais e, simultaneamente, colmatar as insuficiências administrativas do estado. Embora algumas das funções das gancarias tenham sido posteriormente abolidas ou confiadas a outros agentes locais, o aparelho colonial reconhecia nestas instituições instrumentos de controlo e penetração política de que não podia, sob risco de extinção, abdicar, razão pela qual não só resistiu às várias campanhas de pressão que advogavam a sua dissolução como perpetuou muitos dos seus privilégios até ao século XX. [A: Manuel João Magalhães, 2015]

Bibliografia: Azevedo 1890; Magalhães 2013; Pereira 1981; Rubinoff 1997; Subrahmanyam 1997; Xavier 1903.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v019

Mata Atlântica

Designação actual de uma das maiores florestas tropicais brasileiras, com origem há cerca de 70 milhões de anos. Constitui um bioma formado por complexos e diversificados ecossistemas florestais: Floresta Ombrófila Densa, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Ombrófila Mista, Floresta Estacional Decidual, Floresta Estacional Semidecidual, Mangues, Restingas, Campos de Altitude. Fatores ecológicos como variações de altitude, latitude, ventos e correntes atlânticas, pluviosidade, incidência de luz, tipos de solos, permitiram a maior ocorrência de endemismo e diversidade de espécies vegetais e animais, diferenciando-a de outras florestas tropicais. A Mata Atlântica estende-se pela planície costeira do Brasil desde o Rio Grande do Norte até ao Rio Grande do Sul, em subáreas topográficas bastante diferenciadas entre si: tabuleiros costeiros (Zona da Mata nordestina), “mares de morros” (Zona da Mata mineira) e escarpas (Serras do Mar e Mantiqueira). Em 1500, a Mata Atlântica ocuparia 1.300.000 km2 (15% do actual território brasileiro), com trechos de, em média, 200 km de largura para o interior. Os povos autóctones a referiam como caá-eté (“mato verdadeiro”, em tupi-guarani). Foi nesta imensa faixa territorial que se desenvolveu a colonização do Brasil, nomeadamente a economia agroexportadora escravista: extração do pau-brasil e outras madeiras de lei, criação de gado, exploração do ouro, lavoura açucareira e cafeicultura. Nos últimos 500 anos, estas atividades, junto com os agentes patogénicos invasores da floresta, a industrialização e a urbanização, contribuíram em graus variáveis para a devastação da Mata Atlântica, que atualmente corresponde a menos de 8% da sua área original. [A: Maria Sarita Mota, 2015].

Bibliografia: Ab’Sáber 2003: 45-63; Brasil 2012; Cabral 2014; Dean 1996.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v018

Roça

O termo “roça”, em seu sentido original, designa o terreno sobre o qual se roçou, ou limpou, o mato para efeito de plantio. No contexto dos primeiros impulsos colonizadores do império português, como elemento intrínseco ao fenômeno do avanço da fronteira agrícola, a roça se identificava com os empreendimentos pioneiramente instalados, cuja fundação dependia efetivamente do desbravamento. Com o avanço da experiência colonial e com a consequente conformação de sistemas agrários, o termo foi embebido de sentidos que respondiam às diferentes realidades e tempos do universo colonial. Para o Brasil, embora a roça carregue uma acepção mais genérica que a vincula à ideia de “terra de lavoura”, é patente sua identificação, desde pelo menos meados do Setecentos, com a agricultura de subsistência, especialmente com as culturas da mandioca e do milho. Assim, na América Portuguesa, o termo se refere mais a uma gleba no interior de uma propriedade rural do que a um tipo específico de unidade produtiva, se bem que o “viver da roça”, no contexto de vigência das economias agroexportadoras, passou a ser associado à atividade camponesa, isto é, à produção de culturas alimentares, à mão-de-obra de base familiar e à pequena propriedade.

Na experiência colonial de São Tomé e Príncipe, roça deu nome a propriedades rurais de dimensões e funções variadas. Nos séculos XVI e XVII, o termo, como no Brasil, estava atrelado à cultura agrícola de subsistência praticada em pequenas propriedades. A partir das décadas de 1860 e 1870, porém, passa a designar principalmente as empresas coloniais de cultivo do cacau e do café e, com isso, se associa mais à grande propriedade e à exploração latifundiária. Uma vez que estes empreendimentos monocultores converteram-se em células básicas da colonização e povoamento das ilhas, o emprego do termo “roça” para identificá-los não apenas denota o desbravamento do obô (a densa floresta nativa das ilhas), como também simboliza o processo de penetração do complexo socioeconômico colonial em áreas até então incultas. A implantação das roças partia usualmente de uma roça-sede, grande latifúndio bem aparelhado e basicamente autossuficiente. Havia também roças de menores dimensões, que podiam ou não estar diretamente associadas às roças-sedes. Quando associadas, eram denominadas “dependências” e exerciam funções subsidiárias integradas à gestão da roça-sede, tanto no provimento interno, quanto no escoamento dos produtos agrícolas. O aprofundamento na interdependência das roças esteve também na origem do desenvolvimento das malhas de transporte e comunicação, possibilitando o contato entre as populações das roças e as de espaços independentes. Nesse sentido, as roças figuraram como agentes estruturantes do território santomense. Do ponto de vista da organização interna, as roças tinham no terreiro seu ponto referencial, em torno do qual se erigiam a casa da administração, senzalas, habitações de empregados europeus, prédios de beneficiamento e armazenagem e, no caso das roças-sedes, igrejas, hospitais, escolas e demais dependências administrativas. No eito, predominava um regime de trabalho compulsório estabelecido pela via da contratação. A mão de obra era basicamente composta por imigrantes provenientes, a princípio, da costa ocidental da África e, mais tarde, das demais colônias portuguesas deste continente. [A: Gusthavo Lemos, 2015]

Bibliografia: Bluteau 1712-1728; Eyzaguirre 1982; Linhares & Silva 1981; Nascimento 2002; Schwartz, 2001; Tenreiro 1961.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v017

Manguezal

Ecossistema que se desenvolve entre o ambiente terrestre e o marinho, nas regiões tropicais e subtropicais, associado a uma vegetação influenciada pela amplitude das marés e salinidade dos solos. No Brasil, o manguezal ocupa 25.000 km2. É formado por árvores típicas chamadas «mangues», caracterizadas por raízes aéreas, longas, que se ramificam para fora do solo argiloso, pobre de oxigénio. É um ambiente resiliente que desempenha complexas funções ecológicas: impede a erosão costeira, exporta matéria orgânica para o mar e é essencial para a reprodução de várias espécies animais. No Brasil colonial, as sesmarias incluíam manguezais – áreas alagadiças, imprestáveis para a agricultura e edificações, consideradas realengas e de uso comum. Tinham várias utilizações: da casca do mangue-vermelho (Rhizophora mangue), retirava-se o tanino que servia para curtimento de couros e a madeira para caibro; o mangue-branco (Laguncularia racemosa) fornecia lenhas para as moradias, olarias e engenhos; a lama era medicinal; os peixes, caranguejos e ostras, apanhados de forma rústica, completavam a dieta alimentar das populações mais pobres. Nas adjacências, caçava-se capivaras, gambás e tartarugas para o consumo da carne. Sustento dos povos nativos, escravos africanos e pobres livres, os manguezais também eram disputados entre os sesmeiros. Destacam-se os conflitos ocorridos em 1644 e 1677, quando beneditinos, jesuítas e alguns proprietários de sesmarias às margens da Baía e do Recôncavo da Guanabara tentaram impedir que a população utilizasse essas zonas. Após ameaças de excomunhão, inúmeros embargos e intervenções da câmara municipal, a carta régia de 04/10/1678 concedeu à população do Rio de Janeiro o direito de cortar os mangues da cidade. [A: Maria Sarita Mota, 2015].

Bibliografia: Abreu 2010: I, 342-345; Amador 2012: 228-242; Coaracy 1965: 197-198; Soffiati 2004.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v016

Limpeza de sangue

A existência de estatutos de limpeza, ou pureza de sangue, nos impérios ibéricos, marcou o quotidiano social, político e até económico das respectivas coroas durante a idade moderna. A adopção de normas restritivas, cuja génese se atribui aos chamados estatutos de Toledo (1449), começou em Portugal em data imprecisa e nunca chegou a ser lei geral, constando na legislação com carácter avulso. Referida nas Ordenações Manuelinas de 1512 (regimento da Casa da Suplicação), a limpeza de sangue foi implementada a partir de diferentes instituições eclesiásticas e seculares. A Inquisição, embora não tenha sido pioneira na sua adopção, tornou-se o tribunal de referência. Tais medidas, vigoraram, particularmente, entre a segunda metade do século XVI e o século XVIII. O mecanismo inibidor (de cariz mais social do que étnico ou religioso) acabou por constituir um meio de controlo com forte impacto no mercado das honras e mercês (concessão de hábitos de ordens militares) e no provimento de cargos e ofícios de governança, justiça e fazenda (v.g. escrivães do juízo, colectores de impostos, juízes, procuradores, vereadores camarários, almotacés, juízes das confiscações). A suspeita de “sangue infecto” (judaico, mourisco ou mulato), na ascendência e parentela dos indivíduos visados, era motivo de exclusão de certas profissões (boticário, médico e outras) e de admissão a organizações confraternais (irmandades e misericórdias) ou familiaturas do Santo Ofício. Igualmente estigmatizados viriam a ser os ciganos e os nativos das conquistas. No âmbito do instituto vincular, os actos restritivos, decorrentes do clausulado imposto por fundadores de morgadios e capelas, tiveram ampla cobertura legislativa e beneficiaram religiosos e laicos, em detrimento de presuntivos herdeiros e sucessores, afastados por motivo de defeito no sangue. Tal exigência afectou ainda a enfiteuse e o arrendamento de terras, que não podiam ser trocadas, partidas, divididas ou alheadas sem licença prévia dos senhorios, que assim estabeleciam, oficiosamente, um controlo social. Já que, nas disposições fixadas pelos próprios intervenientes, em casos conhecidos, os foreiros seriam, obrigatoriamente, cristãos-velhos. Isso dependia da vontade dos instituidores que, na prática, decalcavam procedimentos em uso, ou expectáveis dentro do quadro social dos estatutos de limpeza de sangue. A pressão exercida por alegados herdeiros levou a que muitos recorressem ao Santo Ofício no intuito de dirimir questões de posse e sucessão. Isso contribuiria para, com cobertura legal, “expropriar” terras de parentelas rivais e pressionar partilhas litigiosas de bens.

O decalque de todo este tipo de procedimentos fez-se sentir, de modo matizado e incongruente, dada a crescente miscigenação, nos espaços ultramarinos portugueses, do Brasil a África e à Ásia, incluindo a Índia. Ali, o sistema de castas poderia ter algumas afinidades com os modelos e práticas sociais de Antigo Regime vigentes na metrópole, entre eles a adopção do instituto vincular. Este último possibilitou, através de um sistema de morgadio em tudo semelhante ao praticado na metrópole, que a nobreza pré-europeia (brâmanes e chardós) transmitisse apelidos e bens de primogénito em primogénito, além de lhe garantir a posse fundiária de terras e prazos. Não se tratava de uma obrigatoriedade legal mas de disposições particulares. Brâmanes e chardós eram considerados limpos de sangue, por não se misturarem com pessoas de nação “infecta”. As leis pombalinas de protecção/dignificação dos naturais das conquistas vieram contrariar disposições e práticas restritivas aí existentes, até que, em 1773, a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos foi oficialmente extinta em todo o império. [A: João Figueirôa Rêgo, 2015]

Bibliografia: Beja 2004; Figueirôa-Rêgo 2011; Figueirôa-Rêgo e Olival 2011; Olival 2004.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v015

Censo reservativo

Contrato pelo qual um indivíduo (censuário) adquiria a outro (censuísta) o domínio pleno de um bem de raiz, com obrigação de lhe pagar um censo anual, imposto sobre o mesmo, até satisfazer o valor da avaliação do imóvel aquando da celebração do contrato. Na prática, os censos reservativos constituíam assim uma forma de aquisição fundiária sem recurso ao pronto pagamento, o qual era diferido no tempo. Apesar das semelhanças com a enfiteuse, o censo reservativo diferenciava-se daquela por não gerar a divisão do domínio e por não estipular cláusulas como a autorização prévia do senhorio para subemprazar, o pagamento do laudémio e da lutuosa, o direito de prelação e o comisso. Por seu turno, a transmissão quase integral dos direitos de propriedade para o censuário também diferenciava este tipo de contratos dos censos consignativos, nos quais não se verificava a alienação da posse do imóvel. Por alvará régio de 16 de Janeiro de 1773, os censos reservativos foram reduzidos à taxa de 5%. [A: Lisbeth Rodrigues, 2015]

Bibliografia: Costa 1961; Lobão 1855; Sousa 1825-27.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v014

Arquivos coloniais

A afirmação da História enquanto disciplina académica foi acompanhada por uma valorização do arquivo como espaço privilegiado da investigação histórica. Para sucessivas gerações de historiadores, o arquivo – e, em particular, o arquivo estatal – foi não só um lugar de pesquisa empírica mas também de validação científica. Todavia, nas últimas décadas o arquivo deixou de ser encarado apenas como um repositório de fontes sobre o passado, tornando-se ele próprio num objecto central de reflexão teórica e epistemológica para historiadores, arquivistas e cientistas sociais. Esta “viragem arquivística” (archival turn) foi em parte influenciada pelos trabalhos de autores como Michel Foucault ou Jacques Derrida, que chamaram à atenção para as relações de poder inerentes à constituição dos arquivos, suscitando um interesse renovado pelo estudo das suas lógicas de composição, acumulação e organização, assim como pelo mapeamento das parcialidades e silêncios da documentação. Mas este interesse pelo arquivo foi também influenciado pelos estudos de historiadores como Carlo Ginzburg, Arlette Farge ou Natalie Zemon Davis, que propuseram novas abordagens à documentação arquivística, com o objectivo de recuperar os percursos de sujeitos históricos normalmente subalternizados tanto pela historiografia como pelas lógicas de organização dos arquivos. Estas preocupações foram acompanhadas, a partir das décadas de 1970 e 1980, pelo recurso crescente a fontes orais, escritos pessoais ou imagens, que pôs em causa a centralidade da documentação oficial nas narrativas historiográficas, levando a um alargamento da própria ideia de arquivo.

O desafio representado por estas novas formas de pensar o arquivo tem sido particularmente influente no campo dos estudos coloniais e pós-coloniais, acompanhando o questionamento a que as relações entre conhecimento e colonialismo foram submetidas na senda dos trabalhos de Edward Said, Bernard Cohn ou Gayatari Spivak. Neste sentido, autores como Ranajit Guha e a escola dos Subaltern Studies procuraram identificar o peso das intencionalidades e categorias mentais dos colonizadores na organização dos arquivos coloniais, problematizando o modo de ler os documentos produzidos neste contexto de forma a aceder à história e às subjectividades dos colonizados. Esta consciência de que os arquivos coloniais, mais do que lugares onde se encontram simplesmente depositados os traços dos projectos de dominação, foram também parte integrante desses mesmos projectos, levou igualmente diversos investigadores a analisar o papel do arquivo enquanto tecnologia de governo. Os arquivos estariam, deste modo, associados ao desenvolvimento, por parte das autoridades coloniais, de instrumentos e técnicas de classificação das populações locais, demarcação das fronteiras, identificação de formas de propriedade fundiária ou cobrança de rendas e direitos fiscais, para referir apenas alguns exemplos no âmbito deste dicionário. Tomando os arquivos coloniais como objecto de investigação, autores como Ann Laura Stoler ou Tony Ballantyne alertaram também para a necessidade de tomar em consideração os conflitos inscritos no próprio arquivo, os vestígios das ansiedades e incertezas das autoridades coloniais, das circulações do conhecimento entre diferentes espaços, e do papel, muitas vezes silenciado, dos agentes locais na construção desse mesmo conhecimento. Por fim, as reflexões em torno do arquivo colonial procuram ainda ter em conta as suas repercussões no presente, tanto no que diz respeito ao trabalho de historiadores e arquivistas, como aos debates mais vastos sobre o colonialismo e os seus legados. [A: José Ferreira, 2015]

Bibliografia: Ballantyne 2004; Burton 2006; De Vivo 2013; Roque e Wagner 2011; Stoler 2002; Stoler 2009.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v013

Corregedor

Oficial de justiça de nomeação régia com jurisdição sobre uma comarca. Criada no reinado de D. Dinis, a figura do corregedor era herdeira dos meirinhos e alcaides na sua função de inspeção administrativa e judicial. Os primeiros corregedores eram nomeados extraordinariamente e com incumbências específicas para controlar situações de ineficácia dos juízes dos concelhos. Com D. Afonso IV a sua nomeação adquiriu um carácter regular e a sua jurisdição correspondia a um território identificado com a comarca ou correição. Exercendo mandatos trienais, os corregedores estavam incumbidos da fiscalização dos ofícios locais (com a exceção do juiz de fora), da defesa da jurisdição régia e da inspeção das prisões, ao mesmo tempo que tutelavam o governo concelhio, fiscalizando o cumprimento das Ordenações a nível municipal. Era aos corregedores que a coroa recorria para se informar sobre os territórios sob a sua jurisdição. No ultramar, apenas os Açores e a Madeira receberam nomeação regular de corregedores, sendo as suas funções desempenhadas por ouvidores nos restantes territórios ultramarinos sob jurisdição letrada. [A: Nuno Camarinhas, 2015]

Bibliografia: Camarinhas 2010; Hespanha 1994; Silva 1998.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v012