O tombo dos Rios de Cuama, levantado entre 1634 e 1637 pelo provedor da Fazenda Francisco Figueira de Almeida, é o único conhecido para a região do vale do Zambeze, em Moçambique, durante o período moderno, embora existam notícias sobre a realização de outros cadastros. Figueira de Almeida, antigo capitão-mor e feitor dos Rios de Cuama (1629-1633), foi enviado à região pelo vice-rei da Índia D. Miguel de Noronha, conde de Linhares, como provedor da Fazenda da Conquista e Minas de Ouro e Prata dos Rios de Cuama e Reinos de Monomotapa, na companhia do escrivão Tomé de Barros Panelas de Pólvora. Essa nomeação inseria-se no contexto de um projecto de colonização da África Oriental, na sequência do tratado de 1629 com o mutapa Mavhura, que se reconhecera vassalo da coroa portuguesa, cedendo a posse de um dilatado território a sul do Zambeze e a exploração das afamadas minas de ouro e prata. Entre outros encargos, por alvará de 14 de Dezembro de 1633, o provedor era mandatado para aforar de novo todas as terras detidas sem confirmação régia, devendo limitar o período das concessões; além disso, era incumbido de reduzir a ouro os foros devidos; finalmente, cabia-lhe executar um tombo das terras. Numa altura em que os registos escritos compunham cada vez mais a prática administrativa, a execução deste tombo decorria de sucessivas ordens régias, recuadas até à década de 1590, para executar o cadastro dos bens da coroa na Índia, com o intento de afirmar a soberania e aumentar os réditos fiscais.
O tombo dos Rios de Cuama constitui um livro com, provavelmente, 355 fólios, faltando os numerados de 1 a 13 e de 351 a 355. O original manuscrito encontra-se nos Historical Archives of Goa e permanece inédito. Além das inscrições atinentes à actividade de Figueira de Almeida, ocorrem anotações feitas pelo escrivão da Fazenda António de Barros, que acompanhou o provedor Duarte de Azevedo, em 1642-1643. O tombo divide-se em duas partes: na primeira, consta o nome de cada terra, o respectivo foreiro, o modo de posse, o prazo da doação, o foro imposto e o fólio de treslado da carta de aforamento, bem como o averbamento de alterações sobrevindas; a segunda é constituída pelo registo das “cartas patentes de aforamento e mercê”, incluindo, ainda, documentos como precatórias e mandados do provedor. Um memorial da autoria de António de Barros permite concluir que todos os aforamentos realizados por Figueira de Almeida estão compreendidos numa ou noutra parte do tombo. No total, este cadastro comporta registos referentes a 113 aforamentos, relativos a uma ou mais terras, muzindas e incumbes, não tendo sido assentadas, por motivos incertos, três terras já concedidas aos jesuítas. O território aforado estendia-se ao longo do rio Zambeze e dos seus afluentes, desde o delta até às proximidades da Chicova, concentrando-se o maior número de terras a sul do rio. Visando, principalmente, regular as relações entre a coroa e os foreiros, o tombo dos Rios de Cuama oferece escassas informações sobre as sociedades nativas, conquanto elas traduzam o conflito e as difíceis negociações entre os conquistadores portugueses e as elites africanas. [A: Eugénia Rodrigues, 2014]
Bibliografia: Rodrigues 2001; Rodrigues 2013.
doi:10.15847/cehc.edittip.2014v034