No quadro da legislação sobre concessão de terrenos, aplicável desde finais de Oitocentos aos territórios coloniais portugueses em África, as populações africanas passavam, em geral, a ter apenas direito ao uso e à habitação do terreno ocupado, privilegiando-se os interesses dos colonos de origem europeia. Alguns diplomas, como o regulamento de terras de 1891, contemplavam porém medidas de ‘protecção’ para os africanos, como a obrigação de separar um hectare por palhota para os africanos que vivessem em terrenos concedidos. É neste quadro que o regime provisório de terras de Moçambique (1909) regulou a figura da ‘reserva indígena’, que previa zonas separadas para o uso exclusivo daqueles, a exemplo da África do Sul. Inúmeras reservas em zonas de diferentes características foram entretanto criadas na colónia, a primeira das quais (1911) numa circunscrição de Inhambane, enquanto em Angola esta política seria apenas seguida em 1922. A Companhia de Moçambique seguiu os mesmos princípios, privilegiando colonos e empresas, e prevendo medidas semelhantes de ‘protecção’ para as populações africanas. As primeiras reservas no território de Manica e Sofala datam de 1914, mas apenas aquelas criadas em 1916 em Manica e Chimoio, circunscrições muito procuradas por colonos, foram uma resposta directa da Companhia às tensões verificadas entre estes e as populações africanas, e à migração destas, no contexto de um ‘problema’ de mão-de-obra. Estabelecidas em terrenos com poucas condições, estas reservas serviam em princípio para prevenir conflitos nos terrenos concedidos, para garantir a produção africana de subsistência e eventualmente para venda em mercados e para desincentivar a fuga das populações. Uma ‘crise de mão-de-obra’ levou à criação e alargamento de 18 reservas entre Janeiro de 1920 e Agosto de 1924. Ao contrário das reservas de 1916, aquelas criadas desde 1920 localizavam-se sobretudo no distrito de Sofala, em especial junto ao Zambeze, nas zonas onde operavam empresas com plantações de algodão, sisal e açúcar, onde a revolta do Barué de 1917-1918 fragilizara a autoridade da Companhia e onde havia áreas de exploração agrícola de iniciativa africana que a Companhia pretendia estimular. Estas novas reservas gozavam, em geral, de condições adequadas ao desempenho das actividades económicas das populações africanas e não implicavam necessariamente deslocações, já que foram implantadas em zonas densamente povoadas. As reservas de Sofala destinavam-se em princípio a estimular a produção agrícola das populações africanas, a incentivar a permanência da mão-de-obra utilizada pelas empresas e a evitar a perda de receitas que a migração para o território sob administração directa portuguesa implicaria para os cofres da Companhia. Previstas expressamente num novo regulamento de terras (Agosto de 1924), as reservas continuariam até 1942 a ser criadas e modificadas pela Companhia para servir diversas finalidades, e a ser utilizadas de modo diferente pelas populações africanas, que tiveram parca influência na sua definição. A política de reservas da Companhia entre 1914 e 1942, através da qual esta procurou gerir o acesso a diversos recursos e organizar a população africana, evidencia a clara ligação entre políticas laborais, agrícolas e de terras, já comprovada em outros contextos coloniais. [A: Bárbara Direito, 2013]
Bibliografia: Direito 2012; Direito 2013; Negrão 2001; Zamparoni 1998.
doi:10.15847/cehc.edittip.2014v005