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Tag Archives: Maria Sarita Mota
Pau-brasil
Árvore de grande porte (Caesalpinia echinata L) simbolicamente associada à colonização portuguesa do Brasil. O próprio território recebeu o nome desta árvore, a qual constituíu, durante muito tempo, o principal recurso económico explorado na América portuguesa. Os autóctones a chamavam “Ibirapitanga” (árvore vermelha ou pau cor de brasa), e a utilizavam para construir arcos e flechas. Os portugueses a designavam como “pau-de-tinta”, “pau da costa do Brasil”, “pau-de-pernambuco”, e distinguiam as espécies encontradas em Pernambuco, Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O alto valor comercial da madeira devia-se à extração de um corante de tonalidade vermelho-escuro análogo ao que os europeus já importavam da Ásia desde a Idade Média, extraído da espécie Caesalpinia sappam L. Eram conhecidas três espécies da Ibirapitanga: o “Brazil-mirim”, de tronco grosso, tinta vermelha, resistente à água, era utilizado na construção naval e tinturaria; o “Brazil-assú”, de tronco alto e fino, tinta rosada, e o “Brazilêto”, ambos de qualidade inferior, utilizados para tingir tecidos de lã, seda, iluminuras, mobiliário. A exploração do pau-brasil era monopólio régio, geralmente arrendado a particulares. A primeira concessão, em 1502, coube a Fernão de Noronha e associados. O arrendamento foi de 25.000 quintais (1.470 toneladas), incluindo ainda cláusulas como enviar anualmente seis navios, explorar 300 léguas de litoral e manter uma feitoria fortificada. Ao longo do tempo, o pau-brasil seria explorado diretamente pela coroa (1525, 1612-1625), concessionado à Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649-1657), e até à Companhia de Jesus na capitania do Espírito Santo (1625). Porém, prevaleceu a concessão a negociantes e sociedades mercantis, através de contratos de arrendamento. A quantia arrematada convertia-se em encaixe imediato para a fazenda régia. Geralmente, exigia-se também caução em mercadorias contra fraudes, o direito das obras pias, a vintena aos donatários, e outras obrigações, como a de enviar para Lisboa 10.000 quintais (588 toneladas) anuais; previam-se ainda situações de distrato, confisco, embargo e execução pelo tribunal. A mercadoria quase não tinha variações sazonais: entre os séculos XVI e XVII, o preço médio do contrato foi de 24.000.000 réis por ano; o custo de produção era de 1.000 réis o quintal, incluindo o transporte; vendia-se em Lisboa a 4.000 réis o quintal, de onde era enviado para os principais portos de redistribuição (Livorno e Amsterdão), e demais praças mercantis na Europa. Estimou-se a extração de 12.000 toneladas anuais, e a derrubada de dois milhões de árvores somente no século XVI. A escassez motivou a promulgação do Regimento do pau-brasil (12/12/1605), que estabeleceu regras para o seu corte e comércio, e medidas rigorosas como confisco de bens, degredo e pena de morte para os infratores. Em 1808, com a corte portuguesa no Brasil, novas medidas económicas foram implementadas: o Banco do Brasil passou a ter comissão sobre a arrematação dos contratos de pau-brasil que deveriam ser feitos em hasta pública; incentivou-se o corte nas províncias de Pernambuco, Rio de Janeiro e Espírito Santo; no ano seguinte, prometeu-se liberdade para os escravos que denunciassem o contrabando; entre 1810 e 1818, passou-se a exportá-lo diretamente para Londres, pagando-se a 1.600 réis o quintal. Ao longo de Oitocentos, o pau-brasil entraria em processo de extinção e em progressiva desvalorização económica devido à comercialização da anilina sintética. [A: Maria Sarita Mota, 2015].
Bibliografia: Aguiar e Pinho 2007; Coelho, 1970; Dean, 1996, 62-65; Mauro, 1989, 163-200; Muralt 2006; Simonsen, 2005:71-84; Sousa 1978.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v021
Mata Atlântica
Designação actual de uma das maiores florestas tropicais brasileiras, com origem há cerca de 70 milhões de anos. Constitui um bioma formado por complexos e diversificados ecossistemas florestais: Floresta Ombrófila Densa, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Ombrófila Mista, Floresta Estacional Decidual, Floresta Estacional Semidecidual, Mangues, Restingas, Campos de Altitude. Fatores ecológicos como variações de altitude, latitude, ventos e correntes atlânticas, pluviosidade, incidência de luz, tipos de solos, permitiram a maior ocorrência de endemismo e diversidade de espécies vegetais e animais, diferenciando-a de outras florestas tropicais. A Mata Atlântica estende-se pela planície costeira do Brasil desde o Rio Grande do Norte até ao Rio Grande do Sul, em subáreas topográficas bastante diferenciadas entre si: tabuleiros costeiros (Zona da Mata nordestina), “mares de morros” (Zona da Mata mineira) e escarpas (Serras do Mar e Mantiqueira). Em 1500, a Mata Atlântica ocuparia 1.300.000 km2 (15% do actual território brasileiro), com trechos de, em média, 200 km de largura para o interior. Os povos autóctones a referiam como caá-eté (“mato verdadeiro”, em tupi-guarani). Foi nesta imensa faixa territorial que se desenvolveu a colonização do Brasil, nomeadamente a economia agroexportadora escravista: extração do pau-brasil e outras madeiras de lei, criação de gado, exploração do ouro, lavoura açucareira e cafeicultura. Nos últimos 500 anos, estas atividades, junto com os agentes patogénicos invasores da floresta, a industrialização e a urbanização, contribuíram em graus variáveis para a devastação da Mata Atlântica, que atualmente corresponde a menos de 8% da sua área original. [A: Maria Sarita Mota, 2015].
Bibliografia: Ab’Sáber 2003: 45-63; Brasil 2012; Cabral 2014; Dean 1996.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v018
Manguezal
Ecossistema que se desenvolve entre o ambiente terrestre e o marinho, nas regiões tropicais e subtropicais, associado a uma vegetação influenciada pela amplitude das marés e salinidade dos solos. No Brasil, o manguezal ocupa 25.000 km2. É formado por árvores típicas chamadas «mangues», caracterizadas por raízes aéreas, longas, que se ramificam para fora do solo argiloso, pobre de oxigénio. É um ambiente resiliente que desempenha complexas funções ecológicas: impede a erosão costeira, exporta matéria orgânica para o mar e é essencial para a reprodução de várias espécies animais. No Brasil colonial, as sesmarias incluíam manguezais – áreas alagadiças, imprestáveis para a agricultura e edificações, consideradas realengas e de uso comum. Tinham várias utilizações: da casca do mangue-vermelho (Rhizophora mangue), retirava-se o tanino que servia para curtimento de couros e a madeira para caibro; o mangue-branco (Laguncularia racemosa) fornecia lenhas para as moradias, olarias e engenhos; a lama era medicinal; os peixes, caranguejos e ostras, apanhados de forma rústica, completavam a dieta alimentar das populações mais pobres. Nas adjacências, caçava-se capivaras, gambás e tartarugas para o consumo da carne. Sustento dos povos nativos, escravos africanos e pobres livres, os manguezais também eram disputados entre os sesmeiros. Destacam-se os conflitos ocorridos em 1644 e 1677, quando beneditinos, jesuítas e alguns proprietários de sesmarias às margens da Baía e do Recôncavo da Guanabara tentaram impedir que a população utilizasse essas zonas. Após ameaças de excomunhão, inúmeros embargos e intervenções da câmara municipal, a carta régia de 04/10/1678 concedeu à população do Rio de Janeiro o direito de cortar os mangues da cidade. [A: Maria Sarita Mota, 2015].
Bibliografia: Abreu 2010: I, 342-345; Amador 2012: 228-242; Coaracy 1965: 197-198; Soffiati 2004.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v016
Negro da terra
Nas fontes quinhentistas, os jesuítas referiam-se amiúde a todos os nativos do Brasil como “negros da terra”. Os senhores de engenho chamavam “índios” e “negros da terra” aos serviçais forçados ao trabalho, diferenciando-os dos índios insubmissos, a quem se referiam como “gentios bravos” e “selvagens”. Por seu turno, os bandeirantes paulistas seiscentistas utilizaram expressões como “negros do gentio desta terra”, “gente forra”, “peças forras serviçais”, “almas” ou “gente do Brasil”, para classificar os índios cativos ou forros. Para distinguir os índios nativos dos escravos africanos, que começaram a aportar em grande número com a intensificação do tráfico – os chamados “tapamunhos”, “peças-de-Guiné”, “gentio da Guiné”, “gentio de Angola” – usavam-se expressões como “negros de cabelo corredio”, “serviços obrigatórios de gente parda”, entre outras alcunhas. O termo “negro da terra” foi aos poucos caindo em desuso em consequência da substituição da escravidão indígena pela africana, e foi finalmente proibido com a promulgação do Diretório dos Índios (1757). [A: Maria Sarita Mota, 2014].
Bibliografia: Monteiro 1994; Moura 2013: 288-289; Schwartz 2003.
doi:10.15847/cehc.edittip.2014v093
Hipoteca
Palavra de origem grega que significa dar em garantia, ou a coisa entregue pelo devedor para assegurar o pagamento de uma dívida. Nas fontes antigas de Direito, assim como nos livros notariais, onde há milhares de contratos desta natureza, a hipoteca surge geralmente designada como “obrigação”, referindo-se assim ao compromisso jurídico do devedor perante o credor. A hipoteca desenvolveu-se como convenção de garantia, acessória, que pressupõe a existência de uma obrigação principal cujo dever de cumprir passa a ser por ela assegurada. Resulta um ônus real ao recair sobre um bem de raiz, incluindo-se suas acessões naturais ou artificias (construções, benfeitorias, plantações e a futura colheita). No caso de bens enfitêuticos, admite-se hipoteca tanto do domínio direto quanto do domínio útil. A partir do direito romano, a hipoteca tornou-se um crédito territorial concedido mediante capacidade de alienação dominial do devedor, que podia entregar, como garantia dos empréstimos, instrumentos de produção, escravos, gado, mas sem que houvesse a transferência do bem obrigado para o credor, apenas detentor do dinheiro adiantado ao devedor. Na hipótese de execução da hipoteca, se a dívida recaísse sobre a coisa de raiz, o devedor pagava a fiança com a penhora de seus bens móveis, até cessar a dívida, e ainda com os rendimentos da sua propriedade – que ficava assim parcialmente protegida na sua integralidade. No direito português, a hipoteca é referida nas Ordenações Filipinas (1603), no Livro IV, tít. 3, o qual dispõe que a coisa obrigada, quando alienada, transfere-se com o seu encargo, especificando-se a prescrição aquisitiva e os casos de exceção. No tít. 10, §1, há o entendimento de que o domínio da coisa obrigada não se transfere ao credor; portanto, não se confunde com outros direitos reais de garantia de crédito, como o penhor (o qual se efetiva com a entrega dos bens móveis vinculados ao empréstimo), e a anticrese (contrato no qual o credor usufrui dos frutos e rendimentos do imóvel destinado como garantia para compensar a dívida). Esclarece-se no tít. 86, §1 do Livro III, que o executado não perdia o domínio e a posse de seus bens, que poderiam ficar sob a guarda de terceiros, até que a penhora satisfizesse o pagamento total da dívida. O tít. 56 do Livro IV, proíbia que as terras da coroa, e os assentamentos do rei, fossem empenhados e hipotecados; e o tít. 79, §3, determinava o direito das partes de invocar a prescrição da obrigação por lapso de tempo. Outra importante disposição sobre matéria hipotecária foi a lei pombalina de 20/06/1774, a qual, ao tratar das execuções de sentença, criou a adjudicação obrigatória ao próprio credor quando os bens penhorados em hasta pública não fossem arrematados. Estes normativos do direito reinícola relativos ao regime jurídico da hipoteca, com tanta interferência sobre os direitos de propriedade e a sua transferência, foram, de um modo geral, aplicados a todos os territórios do império português, mantendo-se em vigor, nalguns casos, mesmo depois da sua transformação em nações independentes. No Brasil, por exemplo, essa legislação vigorou até 1846. [A: Maria Sarita Mota, 2014].
Bibliografia: Beviláqua 2003; Castro 1623; Freitas 2003; Marques 2014; Ordenações 1985 [1603]; Sousa 1825-27; Thomaz 1815-1819.
doi:10.15847/cehc.edittip.2014v090
Sobejos, sesmarias dos
Foi a designação pela qual ficou conhecida a terceira doação de terras para a câmara da cidade do Rio de Janeiro, feita pelo governador Pedro Mascarenhas em 26/05/1667. A expressão foi consagrada por Haddock Lobo, em 1863, ao transcrever e comentar o tombo das terras municipais da câmara, a que vários historiadores deram depois continuidade. Nesta doação, ressalvou-se o direito da câmara às águas e terras que sobejavam entre a banda da cidade e o mar, ou seja, que sobravam desde a Casa da Pedra (marco original da fundação da cidade) até ao Outeiro da Glória. Essa área, de facto, pertencia ao concelho, mas erroneamente foi deixada de fora aquando da medição das terras da câmara. Amiúde, empregavam-se também os termos “sobejos de terras” e “sobejos de chãos” para referir-se às sobras de terras que tinham ficado fora das antigas concessões de sesmarias, ou que não estavam demarcadas nem aproveitadas pelo cultivo. As terras que sobejavam podiam compreender águas, campos e matas, ao contrário do que ocorreu na Bahia, cuja doação de Tomé de Souza, em 31/05/1552, somente incluía as terras para pastos. No Rio de Janeiro, os terrenos alodiais foram sendo requisitados à medida que a população aumentava, e à medida que os moradores descobriam estarem disponíveis. Localizavam-se na extensa área extramuros da cidade, e formavam chãos que foram aforados. Muitos eram fronteiros ao mar, e podiam compreender marinhas ou eram alagadiços. Foram sendo aterrados e retalhados, ao longo do tempo, para construir o rossio. [A: Maria Sarita Mota, 2014].
Bibliografia: Abreu 2010; Cavalcanti 2004: 59; Ferreira 1933: 363; Freire 1906: 63; Gonçalves 2004: 49.
doi:10.15847/cehc.edittip.2014v089