da Terra e do Território no Império Português

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Azevedo, Jerónimo de (1540-1625)

Fidalgo português nascido em 1540, foi capitão-mor da costa do Malabar durante aproximadamente 15 anos, capitão-geral do Ceilão durante 18 anos (1594-1612) e vice-rei da Índia durante 5 anos (1612-1617). Teve um papel dinâmico nas tentativas de conquista territorial do Ceilão empreendidas desde a década de 1590, quer como capitão-geral, quer como vice-rei. Respondendo a ordens régias, tentou eliminar a ameaça dos reis locais e de outros opositores; construiu fortes em todo o território; procurou recuperar territórios perdidos; e procurou conquistar novos territórios e reinos na ilha. Já como vice-rei da Índia, foi também responsável por enviar expedições à ilha de São Lourenço, actual Madagáscar, para descobrimento e reconhecimento do território e para avaliação das possibilidades de conquista da ilha (1613 e 1616). Durante o seu governo foi ainda incumbido por Filipe II de Portugal de continuar a conquista das minas de Monomotapa. O comportamento de D. Jerónimo de Azevedo não esteve isento de polémica, havendo várias suspeitas de ter empreendido a conquista de Ceilão em proveito próprio, tendo enriquecido ao arrecadar para si as rendas das terras conquistadas, e de ter exercido o cargo de vice-rei de forma igualmente duvidosa. Acresce ainda as várias acusações de que foi alvo pela violência com que tratou a população nativa no Ceilão. Quando D. João Coutinho foi enviado para a Índia para o substituir no cargo de vice-rei, levava ordens do rei para remetê-lo prisioneiro para Lisboa. Morreu em Lisboa, na prisão do castelo de São Jorge, em 1625. [A: Graça Almeida Borges, 2015]

Bibliografia: Abeyasinghe 1966; Biedermann 2005; Flores 2001; Queiroz 1916 [1687].
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v060

Conselho de Estado da India

Órgão consultivo que existiu para assessorar o vice-rei ou governador do Estado da Índia, sobretudo em assuntos militares e diplomáticos. O seu funcionamento e constituição caracterizavam-se por uma relativa abrangência e flexibilidade, não se conhecendo nenhum regimento que tenha orientado a sua actividade. Contudo, a carta régia de 31 de Março de 1604 estabelecia a sua composição: o vice-rei ou governador, o arcebispo de Goa, o capitão da cidade de Goa, o chanceler do Estado e o vedor da fazenda, além de outros fidalgos e pessoas de experiência da Índia. O Conselho de Estado da Índia terá tido como antecessor o Conselho dos Capitães, este com origem nos governos de Afonso de Albuquerque e Francisco de Almeida, que reuniam esporadicamente capitães e fidalgos do Estado para a resolução de situações específicas. Convocado segundo a vontade e necessidade dos sucessivos vice-reis, e frequentemente envolvido em disputas de precedência entre os seus membros, o Conselho de Estado perdeu gradualmente importância, ao ponto de o Marquês de Alorna (vice-rei, 1744-1750) o considerar o mais inútil de todos os conselhos. Uma das suas principais fragilidades seria a ausência de sigilo sobre as matérias discutidas nas reuniões. Ainda assim, a este conselho se deve uma das mais importantes colecções documentais para a história do império português do Oriente – os Assentos do Conselho de Estado. Entre os muitos tópicos que nele se tratavam, encontram-se naturalmente questões relacionadas com a territorialização e com a manutenção da soberania sobre os territórios conquistados. Os aforamentos de aldeias no Ceilão ou a conquista de Monomotapa (assentos de 3.Mai.1623 e 9.Jan.1632 respectivamente) são alguns exemplos. Em 1837, seria extinto e substituído por um Conselho de Governo. [A: Graça Almeida Borges, 2015]

Bibliografia: Pissurlencar 1953-1957; Santos 1999; Xavier 1856.

doi:10.15847/cehc.edittip.2015v023

Livro das Cidades e Fortalezas (1582)

O Livro das Cidades, e Fortalezas, que a Coroa de Portugal tem nas partes da Índia, e das Capitanias, e mais cargos que nelas há, e da importância deles, é um texto que foi dirigido a Filipe II de Espanha, pouco tempo depois de este ser aclamado rei de Portugal. Pretendia oferecer ao novo rei uma descrição global e pormenorizada (exclusivamente textual, sem desenhos) dos territórios por este herdados no Estado da Índia e é hoje um documento com uma grande importância para o estudo deste espaço no contexto do governo dos Habsburgo. Apesar de o manuscrito original não estar datado, a informação que contém indicia que terá sido escrito cerca de 1582. A autoria é desconhecida, mas a linguagem cuidada e os conhecimentos demonstrados revelam que o seu autor seria um oficial de topo do Estado da Índia. O códice, composto por 107 fólios, só foi editado pela primeira vez por Mendes da Luz, em 1952, a partir do manuscrito existente na Biblioteca Nacional de Espanha (Manuscritos, 3217). Na Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa (Série Azul, 993) encontra-se um fragmento com apenas três capítulos, os dedicados a Goa, Bardez e Rachol, e Chaul.

O Livro das Cidades e Fortalezas sublinha a importância do conhecimento aprofundado dos territórios para a consolidação do projecto imperial na Ásia, sobretudo num momento de mudanças assinaláveis no processo central de decisão política e suas consequências na administração do império. Informa sobre a fisionomia geográfica, política e cultural que envolve as diferentes cidades e fortalezas do Estado da Índia (os rios, as aldeias e povoações adjacentes, os potentados locais, as religiões, etc.). Reconstitui a história da presença e ocupação dos portugueses das várias regiões do Estado da Índia, bem como da evolução das suas relações com as forças locais e as potências vizinhas. Explica pormenorizadamente a sua organização do ponto de vista da administração colonial (v.g. cargos, recrutamento e nomeação, ordenados) e os seus valimentos do ponto de vista económico (produtos, circuitos e “viagens” comerciais) Dá informação sobre as características das cidades em termos de população e edifícios. Tece considerações sobre a organização do território nas influências recebidas dos sistemas locais e nas suas equivalências no sistema português, oferecendo descrições de termos como “tanadar” e “tanadaria” (fol. 10). Informa também sobre noções locais, seja de moedas, medidas ou pesos, explicando, por exemplo, palavras como “baar” (fol. 69). Este tipo de documento, entre o relatório e as descrições geográficas, faz parte de um género que se tornou relativamente comum na época e de que também é exemplo, entre outros, o Livro das Plantas de todas as Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental, escrito por António Bocarro, em 1635, este acompanhado por representações cartográficas da autoria de Pedro Barreto de Resende. Eram, no fundo, obras que pretendiam informar os órgãos centrais de decisão política sobre os territórios ocupados e colmatar as dificuldades geradas pelas distâncias e pelo desconhecimento das realidades coloniais. [A: Graça Almeida Borges, 2014]

Bibliografia: Livro das Cidades e Fortalezas 1582; Bethencourt 1998: 284-289; Garcia 2009.

doi:10.15847/cehc.edittip.2014v075

Consulta

A consulta era o parecer que o rei mandava tomar sobre algum negócio ou requerimento de partes nos tribunais superiores para apoiar as suas resoluções. O rei pedia a consulta aos tribunais e conselheiros, fazendo “baixar” o requerimento sobre o qual queria que se consultasse, e aqueles, por sua vez, “subiam” a consulta com os seus pareceres para deliberação do rei. Era possível também os conselheiros e tribunais elaborarem uma consulta e enviá-la para o rei por iniciativa própria. Muitas das normas processuais relacionadas com a elaboração e a circulação das consultas vêm descritas no dicionário de Pereira e Sousa.

O que mais importa destacar é que, no Antigo Regime, a consulta – que designava tanto o documento em si como o processo da sua elaboração – era porventura a principal forma de intervenção dos diferentes órgãos e conselheiros da monarquia no processo de decisão política e administrativa e, sobretudo a partir do governo dos Habsburgo, a forma privilegiada de comunicação entre o rei e os demais participantes nesse processo (v.g. Conselho da Fazenda, Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e Ordens, Conselho da Índia, Conselho de Estado, Conselho Ultramarino, entre outros). Adquiria até, muitas vezes, a forma de um diálogo, no sentido em que o espaço deixado em branco na própria consulta destinava-se aos comentários ou respostas do rei, permitindo analisar, como refere Arndt Brendecke, a convergência dos processos de informação e decisão. Além disso, as consultas podiam expressar não apenas uma posição colectiva, mas também as opiniões individuais dos conselheiros e ministros envolvidos, permitindo assim avaliar a respectiva influência sobre o monarca, que se via necessariamente condicionado pelos seus pareceres, independentemente de estes determinarem ou não as decisões régias. A leitura das consultas permite ainda, frequentemente, a reconstituição integral, ou quase, dos processos que estão na sua origem, uma vez que incluem cópias ou resumos dos documentos que as suscitaram. Por estas razões, as consultas são uma documentação chave para uma compreensão cabal das dinâmicas inerentes à administração do império ultramarino português. [A: Graça Almeida Borges, 2014]

Bibliografia: Brendecke 2012; Hespanha 1982; Hespanha 1994; Moraes Silva 1813; Sousa 1825.

doi:10.15847/cehc.edittip.2014v074

Termo

Termo era o território de um concelho, sujeito à jurisdição da respectiva cidade ou vila, mas fora dos seus limites urbanos estritos. Pode entender-se como sinónimo do espaço rural de um concelho, embora nele se situassem aldeias ou outros povoados. Os seus limites eram geralmente definidos na carta de foral ou noutro documento de criação do concelho ou da vila. Marcos e padrões da câmara, caminhos, muros, linhas de água e outros acidentes naturais eram usados para a demarcação do território correspondente. A área de um termo era muito variável de caso para caso. O conceito de termo, com este significado preciso de território subordinado administrativa e jurisdicionalmente a uma câmara, usou-se em Portugal desde a Idade Média até às reformas liberais do século XIX, tendo sido transposto para aqueles territórios do império português onde se criaram vilas e cidades de raiz. É, por isso, muito frequente na documentação relativa às ilhas do Atlântico ou ao Brasil, onde se fala, por exemplo, do “termo de Vila Rica”, da “cidade de Mariana e seu termo”, da “vila e termo de Machico”, etc. O conceito também teve expressão, mas muito reduzida, em Angola e em Moçambique. Nas cidades, praças e fortalezas portuguesas de Marrocos e da Ásia não se utilizava. [A: Graça Almeida Borges, 2014]

Bibliografia: Araújo 1822; Bluteau 1712-1728 (8: 114); Boxer 1965; Marques 2003.

doi:10.15847/cehc.edittip.2014v058

Conselho da Índia

O Conselho da Índia foi criado por Filipe II de Portugal, em 1604, para tratar da maioria dos assuntos relacionados com o império, provavelmente com inspiração no Consejo Real y Supremo de las Indias da monarquia espanhola. Esteve em vigor apenas 10 anos, tendo sido extinto em 1614. No seu regimento de 25 de Julho de 1604, o rei sublinhava a necessidade de uma instituição separada que se ocupasse de “todas as matérias” relacionadas com o “bom governo” do Estado da Índia, Brasil, Guiné, São Tomé, Cabo Verde e todas as outras extensões ultramarinas, com excepção das ilhas da Madeira e dos Açores e das possessões portuguesas no norte de África. As suas incumbências tocavam aspectos relacionados com a religião, a justiça, a guerra e, ainda que de forma limitada, a fazenda. A abundante documentação do Conselho da Índia, hoje dispersa por vários arquivos, abarca temas como a provisão de cargos e nomeações, a criação de infraestruturas institucionais (v.g. Tribunal da Relação da Baía), a ameaça de potências rivais, embaixadas, construção e conservação de fortalezas, comércio e produção, entre outros. Também faziam parte do seu campo de intervenção algumas matérias relacionadas com a terra e o território. A título de exemplo, pode referir-se a participação do conselho em discussões sobre projectos de territorialização do Brasil, nomeadamente os das Minas de São Vicente ou os das terras e rio do Maranhão, abordando tópicos como as obrigações e privilégios dos descobridores, os salários dos exploradores, o tratamento dos índios, detalhes técnicos e logísticos, exploração mineira ou orientações geográficas das explorações.

Apesar de os 10 anos da sua actividade terem sido marcados pelo dinamismo, o Conselho da Índia desafiava e via-se desafiado pelos antigos tribunais da monarquia, aos quais tinham sido desanexadas competências (v.g. Conselho da Fazenda, Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e Ordens), e pelos próprios vice-reis de Portugal, que não compreenderam a necessidade de um novo tribunal para lidar com os assuntos relacionados com o império, e a quem o novo conselho vinha retirar alguma jurisdição em matérias ultramarinas. Para mitigar os atropelos jurisdicionais, em 22 de Abril de 1613, foi proposto ao rei um novo regimento para o tribunal da Índia, aparentemente redigido pelos seus conselheiros. Este, contudo, mais do que estabelecer o limite entre as competências das diferentes instituições, vinha alargar consideravelmente as funções do Conselho da Índia. Fazia-o em tópicos como a nomeação de vice-reis, governadores, bispados, prelados, capitães-gerais das armadas, administração da fazenda e administração das receitas do império, implementação e execução de leis referentes aos territórios ultramarinos, pareceres sobre as crónicas da Índia, entre outras incumbências. Não se sabe se o novo regimento chegou a entrar em vigor, mas a sua elaboração fazia parte de uma estratégia de autoafirmação do conselho na arquitectura institucional do reino que, porém, não foi bem sucedida. Em 21 de Maio de 1614, de forma inesperada, o rei ordenava a extinção do Conselho da Índia. Não se conhecem os motivos desta decisão, embora presumivelmente tenham estado relacionados com as tensões existentes entre as elites administrativas portuguesas, em Lisboa, e a própria corte, em Madrid. Apesar de o seu restabelecimento ter sido esporadicamente invocado nos anos que se seguiram à extinção, a sua actividade só seria retomada em 1642, com a criação do Conselho Ultramarino, por D. João IV. [A: Graça Almeida Borges, 2013]

Bibliografia: Luz 1952; Marques 2009.

doi:10.15847/cehc.edittip.2013v023

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