Farinha de mandioca
A farinha é o principal produto da mandioca (Manihot esculenta). No território do Brasil atual, o domínio agrícola da planta em meio à floresta tropical foi determinante para a expansão e a fixação das populações tupi-guarani por toda a zona costeira. No encontro com os europeus, a farinha dos índios logo se tornou um dos primeiros produtos de escambo e o principal alimento dos colonizadores. Seu mediano valor nutritivo era compensado pela facilidade do plantio, resistência à deterioração e facilidade de transporte, propriedades que colocaram a farinha de mandioca na bagagem dos soldados, na dieta dos escravos e na mesa da população em geral. Os portugueses sofisticaram as técnicas de produção indígenas com a introdução da roda do moinho e da prensa. A casa de farinha promoveu o aumento da produção e a criação de um setor especializado e sempre crescente para dar conta da demanda do mercado interno e do tráfico negreiro.
A produção de farinha de mandioca era realizada por via de dois sistemas agrários distintos. No interior dos engenhos, a produção era realizada pelos escravos no tempo autônomo, do qual se valiam pelos acordos de cotas de produção com seus senhores; esta produção, que excedia muitas vezes o auto-consumo, oferecia excedentes ao mercado e uma via para os escravos obterem dinheiro e alforria. A maior parte da produção mercantil, no entanto, era realizada por colonos de posses modestas, trabalhando em família ou com o emprego de poucos escravos. Marginalizados no sistema sesmarial, esses colonos ascendiam à terra pela via da enfiteuse, do arrendamento ou da posse “mansa e pacífica”. Alguns se tornaram mais poderosos, normalmente associando a produção de farinha à atividade madeireira. Mas a maioria dos produtores não conseguia expandir suas forças produtivas, fosse pela situação de instabilidade que mantinham com a terra, fosse pela baixa remuneração do produto, sempre sujeito a regulamentação oficial. A forte intervenção governamental visava manter a normalidade do abastecimento e evitar distúrbios ocasionados pelas não raras crises de fome que se abatiam sobre as zonas açucareiras, mineiras e urbanas. Submetidos a preços fixados, e proibidos de praticarem outras culturas mais compensadoras, como a do tabaco, por exemplo, os produtores ficavam praticamente limitados a plantar nas capoeiras, já que a abertura de novas clareiras na floresta exigia o emprego de não poucos escravos. A diminuição dos ciclos de regeneração da mata, por sua vez, empobrecia o solo e limitava ainda mais a capacidade produtiva dos pequenos produtores. Mesmo assim, no final do século XVIII, sobre estes pesou a política de conservação das matas potenciais para a extração de madeiras de construção naval, que determinou a proibição para se avançar a produção agrícola nas matas virgens. Esta medida não se impunha, todavia, aos senhores de engenho, mesmo considerando sua tão superior capacidade de consumir a floresta. Justamente pelo interesse destes últimos em manter suas reserva de mata livres da concorrência dos produtores de farinha, este setor acabou por se desenvolver regionalmente na periferia das zonas canavieiras, a exemplo das capitanias de Ilhéus e Porto Seguro, no sul da Bahia. [A: Marcelo Henrique Dias, 2015]
Bibliografia: Barickman 2003; Cabral 2014; Dias 2011; Linhares & Silva 1981; Schwartz 2001; Silva 1990.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v031
Jaffna
Jaffna (por vezes Jafanapatão nas fontes portuguesas) era, de par com Kotte e Kandy, um dos três reinos em que se dividia o Ceilão ao tempo da presença portuguesa na ilha. Situado na parte norte da ilha, era o mais pequeno de todos (cerca de 8000 km2), o mais pobre, mas também aquele que apresentava uma identidade mais diferenciada em termos étnicos, religiosos e linguísticos. A sua população era maioritariamente de etnia tâmil, provavelmente com origem remota no sul da Índia, falava o tâmul e professava o hinduísmo. O sistema fiscal, os direitos de propriedade e o regime de terras apresentavam também várias diferenças relativamente aos que vigoravam nos reinos cingaleses da ilha. Os portugueses já levavam mais de 20 anos de domínio político formal e efectivo no Ceilão quando finalmente, em 1619, conquistaram e incorporam Jaffna na soberania portuguesa. Tal aconteceu durante o governo do capitão-geral Sá de Noronha, na sequência da expedição militar liderada pelo capitão Filipe de Oliveira. A conquista de Jaffna, além de fazer parte da estratégia geral de domínio político sobre a totalidade da ilha, visava mais especificamente conter o avanço das forças de Kandy naquela área, controlar o estratégico Estreito de Palk, situado entre o Ceilão e a costa indiana, e explorar os principais recursos económicos daquele reino – pérolas e elefantes. De resto, Jaffna não tinha especiarias e os seus rendimentos agrícolas, fundiários e fiscais eram relativamente escassos. Ainda assim, foi objecto de um levantamento cadastral (o tombo de Jaffna, 1645), e nele se procedeu, tal como no resto da ilha sob domínio português, ao aforamento de terras e aldeias a casados portugueses. Um dos seus capitães-mores, Lançarote de Seixas, chegou mesmo a projectar um ambicioso plano de colonização maciça de Jaffna, todavia nunca concretizado, entre outras razões, porque os escassos recursos naturais e os baixos níveis de rendimento da região a tornavam pouco atractiva. Mais sucesso teve o projecto de evangelização, que se traduziria numa taxa muito elevada de conversão da população nativa ao cristianismo, ainda que mais por conveniência do que por convicção. Jaffna foi palco de algumas importantes rebeliões contra o domínio português. No entanto, viria a constituir o seu último reduto no Ceilão, só sendo conquistada pelos holandeses em 1658, dois anos após a queda de Colombo. [A: José Vicente Serrão, 2015]
Bibliografia: Abeyasinghe 1986; Flores 2001; Pieris 1920.
doi: 10.15847/cehc.edittip.2015v030
Arequeira
A arequeira era uma entre as várias espécies de direitos de participação (ou interesses, ou acções) constituídos sobre os rendimentos das comunidades de aldeia de Goa. Devia esse nome ao facto de, pelo menos originalmente, estar indexada aos arecaes, campos plantados de arequeiras, as árvores que produziam a areca. Aqueles direitos de participação representavam um quinhão do saldo entre as despesas e as receitas da comunidade, podendo traduzir-se em ganhos ou em perdas, conforme aquele saldo fosse positivo ou negativo. A posse de uma arequeira, na generalidade dos casos, correspondia simplesmente a um investimento rentista, sem envolver qualquer participação na exploração directa da terra. Pelo Regulamento de 1882, as arequeiras, assim como os outros tipos de “interesses”, foram redenominadas e convertidas em acções de valor fixo de 20 rupias. Sobre o significado de arequeira enquanto árvore, ver areca. [A: Joana Paulino, 2015]
Bibliografia: Azevedo 1890: 88-105; Dias 2004: 116-588; Xavier 1903: 70-71. doi:10.15847/cehc.edittip.2015v029
Marcas de gado
Marcas feitas no gado para identificar o seu proprietário, fazenda, ganadaria ou coudelaria. Havia dois tipos de marcação: os sinais e os ferros. Os sinais eram cortes e furos estilizados (ou uma combinação entre ambos) feitos nas orelhas dos animais à faca e com o auxílio de uma pequena tábua. Os ferros eram emblemas personalizados gravados com ferro em brasa no couro do animal, compostos por letras, números e símbolos sobrepostos, cujos traços eram classificados em linheiros, quebrados ou volteados. Na ferragem, as criações recebiam duas marcas: na coxa ou anca direita, a marca do proprietário ou fazenda (ferro da marca), e, na esquerda, a marca da ribeira, freguesia ou vila em que se situava a fazenda de criar ou curral (ferro da ribeira). A sua eficácia comunicativa prescindia da literacia, tendo sido especialmente importante em áreas de pasto comum e criação extensiva, como na América portuguesa, onde as propriedades normalmente não eram cercadas e o gado era criado solto. Em caso de venda, o novo dono fazia a contraferra, imprimindo o seu ferro acima ou à direita da marca preexistente. As sucessivas marcações seguiam a ordem: perna, pá, pescoço, queixo e testa, para que o couro pudesse ser aproveitado. Fazia-se o mesmo do lado esquerdo, caso o animal fosse levado para outra ribeira, freguesia ou vila. Tal como os brasões, o ferro dos pais (chamado de mesa ou caixão da marca) era herdado pelos filhos por varonia e primogenitura, recebendo pequenos acrescentos ou subtrações por cada descendente, denominados diferenças. [A: José Eudes Gomes, 2015]
Bibliografia: Barroso 1912; Faria 1984; Maia 2004; Pont 1983.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v028
Crioulo (Goa)
O termo crioulo usava-se em Goa num sentido diferente daquele ao qual anda usualmente associado. O vocábulo servia para designar quer um filho adotivo, quer um servidor próximo da família criado em casa desde a infância. Nesta aceção, os crioulos e crioulas goeses acabavam por beneficiar de uma situação peculiar relativamente ao restante pessoal doméstico e não raro serviam de interlocutores privilegiados entre ambos os mundos que conviviam nas principais casas das Ilhas, Bardez e Salsete: o dos donos da casa e o dos respetivos serviçais. É possível encontrar referências ao termo em qualquer dos dois sentidos nos testamentos e genealogias dos séculos XVIII e XIX. Existem testamentos do século XVIII nos quais as crioulas merecem inclusive o tratamento de “dona” (Ana Francisca Coutinho de Castro, Pangim, 1794). Noutros casos, constata-se que estão em causa membros da família, nomeadamente filhos naturais (Maria Teresa de Oliveira, Panelim, 1826). No que diz respeito a exemplos em documentação oficial, o ofício do governo de 16 de agosto de 1824, que determinava a redução a escrito dos usos e costumes das Novas Conquistas, referia-se especificamente às “pessoas, que podem tomar crioulos, quais as que podem ser, e em que casos”, e ainda se “devem ser os crioulos da mesma casta do adoptante”. Finalmente, a própria literatura local fornece ilustrações: apesar de ter supostamente vivido em meados do século passado, a Teresinha do romance A Identidade goesa de Ângela aparentava gozar de um estatuto ainda muito semelhante aos das antigas crioulas. [A: Luís Cabral de Oliveira, 2015]
Bibliografia: Dalgado 1988: I, 322; Souza 2000: 72-73; Xavier 1840: 75.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v027
Pastel
Nome comum da planta Isatis tinctoria, da qual se extraía, por maceração e fermentação das suas folhas, um corante azul usado na indústria tintureira durante o período moderno. No Mediterrâneo, o desenvolvimento da sua cultura para fins industriais remonta aos finais da Idade Média, enquanto em Portugal a recolha e cultivo do pastel nas margens do Douro datam do século XV. Ao infante D. Henrique deve-se o início do seu aproveitamento industrial, ao abrigo do monopólio de recolha e transformação que recebeu da coroa em 1455. Foi, todavia, nas ilhas atlânticas que as potencialidades económicas deste produto se afirmaram, sobretudo nos Açores. Com disseminação por todo o arquipélago, mas com especial incidência na Terceira e em S. Miguel, a cultura do pastel afirmou-se como um dos principais produtos de exploração económica, mercê da procura exercida pelos mercados consumidores da Europa do Norte, como a Flandres e a Inglaterra. A sua importância económica traduziu-se na publicação em 1536 de um quadro normativo – o regimento do pastel – que regulava a produção e a exportação. Na ilha de S. Miguel, o ciclo produtivo mais intenso ocorreu em finais de Quinhentos, quando a sua produção atingiu 100.000 quintais por ano. Competindo com o trigo pelas melhores terras agrícolas, o alargamento da lavoura do pastel terá contribuído na altura para episódios de escassez cerealífera nos Açores. No século XVII, o pastel perdeu competitividade, sendo substituído na maior parte dos mercados europeus pelo índigo e pelo anil do Brasil e das Índias. [A: Maria da Graça Delfim, 2015]
Bibliografia: Azevedo 1985: V, 12; Costa 1946; Marques 1994: 862-863; Menezes 2005: 348-349.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v026
Câmaras
Modelo uniforme de organização institucional e de representação das elites locais em Portugal e seus territórios ultramarinos, as câmaras foram instituições fundamentais na manutenção do império português, pois garantiam uma continuidade administrativa que governadores, bispos, oficiais e magistrados passageiros não podiam assegurar. Por sua importância na administração dos espaços municipais, tiveram igualmente um papel fundamental na construção e organização do território no império português. As vilas e cidades no reino e no ultramar eram encabeçados por uma câmara, composta por um juiz-presidente, que podia ser tanto juiz ordinário, se eleito localmente, quanto juiz de fora, magistrado nomeado pelo rei, além de dois ou três vereadores e um procurador. Compunham-se ainda de oficiais indicados pela vereação, como os almotacés, que regulavam o abastecimento de gêneros, os preços, os pesos e as medidas, e dos juízes de vintena, responsáveis pela cobrança de multas e prisão de criminosos, assim como de outros oficiais menores. Os escrivães eram remunerados, providos pela câmara ou pela coroa. Sua nomeação podia ser vitalícia e até hereditária. Algumas câmaras possuíam representação dos ofícios mecânicos. As das cidades mais importantes do ultramar enviavam procuradores que representassem seus interesses à corte de Lisboa. Apesar da uniformidade institucional, havia grande variação em sua composição, seja em função da diversidade sociocultural das conquistas portuguesas na América, África e Ásia, seja devido à legislação que modificou ou acrescentou o que era regido pelas Ordenações.
Ao ser fundada a vila ou a cidade, a coroa doava à res publica uma, duas ou mais léguas em quadra que constituiriam o seu termo, sob a jurisdição da municipalidade. Os termos das vilas e cidades ultramarinas conheceram grande variação. Veja-se o caso de Minas Gerais, onde a malha municipal foi submetida a sucessivas criações e desmembramentos, abrangendo caminhos, rios, arraiais, paróquias, fazendas, descampados e florestas. Governadores responsáveis pela distribuição de sesmarias eram proibidos de conceder terrenos urbanos, privilégio exclusivo da câmara. Esta aforava, mediante o pagamento de foros anuais, um ou mais lotes aos moradores, tanto para moradia, quanto para diferentes tipos de negócios, criação ou cultivo. O aforamento dos chãos era o principal rendimento das câmaras, que usufruíam também do arrendamento de contratos, da imposição de multas, da cobrança de propinas para a participação em festas régias e religiosas. Rossios ou baldios eram terrenos destinados ao uso e serventia comum do povo, pastagem do gado, corte de madeiras e lenhas e outras utilidades tidas como públicas. O termo, ou seja, a extensão dos chãos sob a jurisdição da câmara, era delimitado a partir de um centro geométrico situado idealmente, embora nem sempre concretamente, sob o pelourinho, no coração da vila. A tomada de posse desse patrimônio era pública e solene. Ritualística também, e comandada pelo ouvidor da comarca, era a medição das terras municipais, o que podia durar anos e até decênios. Porém, o que mais distinguia os camaristas era o serem escolhidos entre os homens bons das municipalidades e pertencerem a uma nobreza da terra, sobretudo quando as câmaras ultramarinas recebiam dos reis de Portugal os mesmos privilégios e isenções dos cidadãos das mais distintas cidades do reino, como Lisboa, Porto e Évora. Este foi o caso, entre outras, das câmaras de Goa, na Índia, de Salvador, na Bahia, do Rio de Janeiro, de São Luiz, no Maranhão e de São Paulo de Luanda, em Angola. [A: Maria Fernanda Bicalho, 2015]
Bibliografia: Bicalho 2001; Boxer 1965; Fonseca 2011; Lobo 1863; Monteiro 1998.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v025
Coculim, morgado de
Um dos mais importantes morgados em terras de Goa pertencentes a estirpes reinóis, ao qual também andavam associados bens em Verodá (Salsete). Foi instituído por D. Filipe de Mascarenhas, 26º vice-rei da Índia e irmão do primeiro conde da Torre, que acumulara fortuna durante os vários anos em que viveu na Ásia (c. 1630-1651), sobretudo no Ceilão e em Goa. Por não ter geração, o instituidor nomeou administrador o primeiro secundogénito do seu irmão, D. João de Mascarenhas. Este, tendo sucedido na casa paterna, juntou a administração dos bens dos Mascarenhas em Goa ao condado da Torre. Em 1670 receberia ainda o título de marquês de Fronteira. A sua geração voltou a repartir o património: o mais velho sucedeu nas casas da Torre e de Fronteira e o secundogénito, D. Francisco, na administração do vínculo de Coculim e Verodá. Foi em vida de D. Francisco de Mascarenhas que se extinguiu o referido vínculo por ter sido elevado a condado. O título de conde de Coculim seguiu na sua descendência até 1792, altura em que o fim da estirpe ditou a reunião à casa Fronteira. A família conserva até hoje em Salsete propriedades associadas ao vínculo inicial. O condado – antigo morgado – constituía uma propriedade importante na Goa dos séculos XVIII e XIX, produzindo sobretudo arroz e coco. Lopes Mendes atribuía-lhe, em 1871, 7.383 habitantes, cristãos na sua maioria. Compreende-se assim que o lugar de administrador dos bens dos Fronteira no Estado da Índia fosse muito pretendido entre os locais. [A: Luís Cabral de Oliveira, 2015]
Bibliografia: Bethencourt 1998: 312-313; Mendes 1989: II, 176-177; Oliveira & Costa 2010: 104-105; Subrahmanyam 1995: 332-334; Xavier 1907: II, 325.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v024
Conselho de Estado da India
Órgão consultivo que existiu para assessorar o vice-rei ou governador do Estado da Índia, sobretudo em assuntos militares e diplomáticos. O seu funcionamento e constituição caracterizavam-se por uma relativa abrangência e flexibilidade, não se conhecendo nenhum regimento que tenha orientado a sua actividade. Contudo, a carta régia de 31 de Março de 1604 estabelecia a sua composição: o vice-rei ou governador, o arcebispo de Goa, o capitão da cidade de Goa, o chanceler do Estado e o vedor da fazenda, além de outros fidalgos e pessoas de experiência da Índia. O Conselho de Estado da Índia terá tido como antecessor o Conselho dos Capitães, este com origem nos governos de Afonso de Albuquerque e Francisco de Almeida, que reuniam esporadicamente capitães e fidalgos do Estado para a resolução de situações específicas. Convocado segundo a vontade e necessidade dos sucessivos vice-reis, e frequentemente envolvido em disputas de precedência entre os seus membros, o Conselho de Estado perdeu gradualmente importância, ao ponto de o Marquês de Alorna (vice-rei, 1744-1750) o considerar o mais inútil de todos os conselhos. Uma das suas principais fragilidades seria a ausência de sigilo sobre as matérias discutidas nas reuniões. Ainda assim, a este conselho se deve uma das mais importantes colecções documentais para a história do império português do Oriente – os Assentos do Conselho de Estado. Entre os muitos tópicos que nele se tratavam, encontram-se naturalmente questões relacionadas com a territorialização e com a manutenção da soberania sobre os territórios conquistados. Os aforamentos de aldeias no Ceilão ou a conquista de Monomotapa (assentos de 3.Mai.1623 e 9.Jan.1632 respectivamente) são alguns exemplos. Em 1837, seria extinto e substituído por um Conselho de Governo. [A: Graça Almeida Borges, 2015]
Bibliografia: Pissurlencar 1953-1957; Santos 1999; Xavier 1856.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v023
Aforamento
O aforamento, ou emprazamento, era um contrato enfitêutico que gerava o desmembramento da propriedade em dois domínios. O senhorio, titular do domínio directo, cedia a outrem (foreiro) o domínio útil de um bem fundiário, impondo-lhe o cumprimento de encargos diversos, nomeadamente o pagamento de um foro. Note-se que, na documentação da época, os vocábulos “aforamento” e “emprazamento” eram utilizados indistintamente, numa sinonímia que embaraça a sua diferenciação. Também o termo “prazo” servia para designar quer o contrato enfitêutico (vitalício ou perpétuo), quer o próprio bem de raiz sujeito à enfiteuse. Os aforamentos, de acordo com a lei, enquadravam-se em diversas tipologias. Variavam, por exemplo, segundo a qualidade do senhorio (secular ou eclesiástico), e segundo a duração do contrato, que podia ser perpétuo (enfatiota, fateusim) ou em vidas. Os prazos de vidas distinguiam-se, quanto à forma de transmissão do domínio útil, entre os de nomeação livre (a vida vigente tinha liberdade para nomear a sua sucessora) e os de nomeação restrita (as vidas eram determinadas aquando da celebração do contrato). Independentemente desta diversidade de situações, o aforamento conferia ao enfiteuta um vínculo estável com o imóvel e um leque alargado de direitos de propriedade, nomeadamente a faculdade de o alienar, ceder ou subenfiteuticar, desde que com o consentimento do senhorio. Na segunda metade do século XVIII e na primeira do XIX, o direito enfitêutico registou algumas alterações e foi objecto de grande interesse por parte dos jurisconsultos. Quanto ao império, nas ilhas atlânticas os aforamentos seguiam de perto o estilo jurídico e a prática social do reino; no Brasil, onde a enfiteuse continua largamente por estudar, crê-se que os aforamentos serviriam sobretudo para a distribuição das terras dos concelhos aos particulares; no Índico (especialmente na Província do Norte, Ceilão e Moçambique) destacam-se os aforamentos de aldeias a particulares, como forma de remuneração de serviços, assumindo-se a coroa como senhorio directo – processo que, nalguns casos, deu origem aos chamados prazos da coroa. [A: Lisbeth Rodrigues, 2015]
Bibliografia: Lobão 1814; Rodrigues 2013; Serrão 2000; Teixeira 2010.
doi:10.15847/cehc.edittip.2015v022
